Itinerário da Mente para Deus

[...] Da sua alma de jovem estudante de filosofia, deixou-nos ocasionalmente S. Boaventura um sugestivo vislumbre, por sinal a respeito duma questão, em que ele e S. Tomás haviam de ficar sempre em total desacordo. Ouvira o estudante defender nas aulas a eternidade do mundo. A sua inteligência, que ia directamente ao fundo dos problemas, via o alcance destes, e o seu coração vibrava com ardor. Confessa-nos ele: «Ouvi, quando frequentava as aulas sobre Aristóteles, ter ele afirmado que o mundo era eterno. Quando ouvi as razões e argumentos com que essa tese se defendia, começou-se-me o coração a agitar, e eu pensava: como pode isso ser?». Mais tarde exporá as razões por que nem sequer admite que essa eternidade seja possível, mas a questão ficara dirimida desde os tempos de estudante. De facto, surpreende verificar que as doutrinas filosóficas de S. Boaventura aparecem assentes e definitivamente fundamentadas no Comentário às Sentenças. Esta obra grandiosa, pela extensão e pelas doutrinas, redigiu-a ele nos primeiros anos de ensino, quando mal abandonara os bancos de estudante.

O ingresso de S. Boaventura na Ordem Franciscana deu-se na juventude, depois de terminado o curso de filosofia, e ao que pode supor-se, na mesma cidade de Paris.

A data, que os historiadores fazem oscilar entre 1238 e 1243, permite ao menos concluir que entrou na vida religiosa por cerca dos 20 anos de idade. Nesta decisão, além do culto e amor que desde a infância o vinculava a S. Francisco, interveio sem dúvida a atracção e assombro, que sobre ele e sobre a Igreja exercia o prodigioso incêndio de imolação e paixão de Deus, que fora a vida, ainda tão recente, do Serafim de Assis.

Houve ainda outro factor, a que expressamente se refere S. Boaventura. A Ordem Franciscana abrira-se aos estudos, e dentro dela iam surgindo teólogos eminentes, pelo saber e virtude. A consagração à ciência não podia deixar de seduzir o seu espírito privilegiadamente dotado. [...]