Abstract |
Os discursos sobre a crise do jornalismo não datam de ontem, nem irromperam na era digital. Não deixa de ser significativo que a crítica acima reproduzida tenha sido formulada há mais de 130 anos pelo jornalista e romancista Emile Zola, que viria a assinar “J’accuse” (L’Aurore, 13 de janeiro de 1898), um dos mais célebres textos da história do periodismo. Nos finais do séc. XIX e inícios do séc. XX, a imprensa escrita francesa vai de vento em popa, contabilizando cerca de 600 diários, dos quais nove dezenas sediados em Paris (Kalifa, 2011). Já há algumas décadas que o jornalismo se tornara um negócio lucrativo. Artigos de opinião e debates de cariz político cedem progressivamente lugar a conteúdos suscetíveis de atraírem um maior número de leitores, incluindo os menos escolarizados, potenciando um aumento de receitas publicitárias. Por seu turno, nos Estados Unidos, o periodismo de informação impusera-se como paradigma dominante a partir dos anos 1880-1910, através da dissociação entre os factos e a interpretação dos mesmos (Brin et al., 2004). De um lado, uma ética da objetividade, consolidada por meio de géneros como a entrevista e a reportagem. Do outro, a busca do lucro por intermédio de virulentas controvérsias, alimentadas por “um fluxo vertiginoso de informação superabundante”, segundo a expressão de Zola. Entre muitas outras mudanças, o último século foi marcado por dois conflitos mundiais, a segmentação do globo em campos ideológicos e reconfigurações identitárias, o recurso à propaganda e à desinformação em doses massivas, a transformação dos media (jornal, radio, cinema, televisão, internet) em indústrias culturais intrinsecamente vinculadas à cultura de massas ou ainda a afirmação de uma “mitologia da felicidade individual” (Morin, 1962), num mundo cada vez mais desinstitucionalizado e dessocializado (Dubet & Martuccelli, 1998). Desde então, a produção académica tem vindo a debruçar-se – a partir de abordagens concetuais diferenciadas – sobre a influência dos discursos mediáticos na “construção social da realidade” (Berger & Luckmann, 1966) ou na consolidação dos “imaginários” (Castoriadis, 1975), no âmbito das esferas pública e privada, mas também sobre os contextos socioculturais em que esses mesmos discursos emergem (Hall, 1973; Goffman, 1974) e os eventuais efeitos suscitados junto de audiências e/ou públicos mais ou menos (in)conscientes e (in)ativos (Lazarsfeld & Katz, 1955; Klapper, 1960; Adorno, 1963; Morley, 1980). Como aconteceu com os seus predecessores, o recurso cada vez mais generalizado a um novo media – a partir da última década do século XX – deu origem a um conjunto de profecias apocalíticas e outras tantas utopias comunicacionais. Destarte, coloca-se a seguinte questão: “de que modo a Internet afeta o jeito de nos relacionarmos uns com os outros, de debatermos, trabalharmos, nos movermos, nos cultivarmos, sermos militantes, consumirmos, cuidarmos de nós, nos divertirmos, etc.?” (Beuscart et al, 2019: 8). As mudanças experienciadas nos derradeiros vinte anos replicam alguns dos desafios que, invariavelmente, caraterizaram os tempos áureos da imprensa, do cinema, da rádio e da televisão – embora hoje com uma intensidade inédita –, não deixando ainda de suscitar novos questionamentos. Em virtude da eclosão de um singular ecossistema mediático, o modelo tradicional de produção, difusão e receção do jornalismo impresso tem vindo a experimentar um complexo processo de reconfiguração de contornos ainda imprecisos, do ponto de vista profissional, sociopolítico, cultural, económico, técnico, ético e jurídico. Da reflexão sobre estas temáticas, levada a cabo no Centro de Estudos Filosófico-Humanísticos (UCP) e junto dos estudantes de Licenciatura em Ciências da Comunicação e do Mestrado em Comunicação Digital, nasceu o congresso internacional Repensar a imprensa no ecossistema digital, que teve lugar na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (UCP), em Braga, de 3 a 5 de Julho de 2019, com a participação de meia centena de académicos oriundos da Europa, América e Ásia. O título inspira-se do relatório Presse et numérique. L’invention d’un nouvel ecosystème, encomendado pelo Ministério francês da Cultura e da Comunicação ao investigador Jean-Marie Charon. A noção de ecossistema aponta para uma configuração de cariz horizontal, para um sistema de atores – plurais na sua história e organização, nos conteúdos das suas atividades e da sua produção – e a sua relação (in)direta com o(s) público(s). Alude ainda à complexidade das interações em jogo, num contexto tantas vezes de competição, outras de solidariedade, e de tempos e espaços colaborativos. Há muito que um tal ecossistema deixou de ser de âmbito meramente nacional, fomentando desafios de natureza transnacional, transdisciplinar e transmediática (Charon, 2015). |
Content |
Jane B. Singer, “Populist Postmodernism: When Cultural Critique of an Enlightenment Occupation Goes Viral,” in Repensar a Imprensa No Ecossistema Digital, Ciências Da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 3–12, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_003.
Camille Laville, “Les médias de la presse écrite face à la transition numérique : un ADN en mutation,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 13–32, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_013.
João Carlos Correia and Anabela Gradim, “Polarização e Fragmentação: Dos Efeitos dos Media à Partilha Seletiva,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 33–48, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_033.
Cardoso, Manuel Lencastre, “Hobbes e o Controlo Político das Fake News,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 49–74, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_049.
Xosé López-García, “Periodismo en la proximidad: de la resistencia a la experimentación y a la conquista de modelos de futuro,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 75–80, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_075.
João Carlos Correia and Pedro Jerónimo, “Sentimentos Contraditórios: Quanto os Jornalistas Gostam da Intervenção dos Públicos?,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 81–96, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_081.
Cláudia Pereira, “O (não) Reconhecimento pelo Público de Formatos Híbridos em Media Jornalísticos,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 97–112, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_097.
Mateus Silva Noronha, “Ampliação da Audiência em Redes Sociais como Estratégia de Negócio nos Meios Regionais de Portugal,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 113–32, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_113.
Luis Fernando Assunção, “Tempos Reais e Tempos Lentos no Jornalismo. Novo Processo Produtivo a partir do Slow Journalism,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 133–52, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_133.
Anabela Gradim, “Para uma Deontologia da Imagem Jornalística: da Invisibilidade nos Códigos à Explosão da Potencialidade Técnica,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 153–64, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_153.
João Augusto Moliani, Ana Flávia Marques, and Jamir Kinoshita, “As TIC no trabalho dos arranjos jornalísticos brasileiros alternativos à mídia hegemônica,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 165–90, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_165.
Fernanda Cristine Vasconcellos, “A influência do modelo de negócio na tomada de decisão em O Globo,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 191–218, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_191.
Patrícia Sampaio Nunes and José Gabriel Andrade, “Publicidade Nativa como Prevenção do Banner Blindness,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 219–38, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_219.
Daniela Santos, “Jornalismo 3.0: O Impacto dos Agregadores de Notícias Online no Negócio da Informação,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 239–66, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_239.
Bruno Barbosa and Juliano Domingues da Silva, “Robôs nas mídias sociais: um mapeamento de artigos científicos,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), 267–82, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_267.
Manuel Antunes da Cunha, “Introdução,” in Repensar a Imprensa no Ecossistema Digital, Ciências da Comunicação 1 (Braga: Axioma - Publicações da Faculdade de Filosofia, 2020), xi–xx, https://doi.org/10.17990/Axi/2020_9789726973287_xi.
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