Abstract |
Husserl foi sempre um apaixonado pela exactidão. As suas actividades intelectuais desenvolveram‑se continuamente orientadas pelo ímpeto insaciável de rigor absoluto, em ordem a uma fundamentação científica cada vez mais radical.
O seu ideal será portanto dar consistência científica à Filosofia e nela a todas as ciências, e para isso começar por estabelecer‑lhe os fundamentos. Fora já este o ideal de Descartes: na ânsia de «não admitir nenhuma coisa como verdadeira sem a conhecer evidentemente como tal», intentara construir uma Filosofia libertada de todas as divergências, e portanto insofismável, para o que se exigia o estabelecimento crítico dum fundamento inconcusso encontrado no ego cogito, cuja existência se manifesta clara e distintamente, mesmo através da dúvida mais radical. Tanto pelas suas exigências racionais como, consequentemente, pela ânsia de estabelecer também um fundamento absolutamente primordial, Husserl apresenta‑se como um novo Descartes: «Aquilo que não for absolutamente justificado não terá valor». Chega mesmo a afirmar que a sua doutrina filosófica «quase poderia chamar‑se um neocartesianismo» e que, se «ela se viu obrigada a rejeitar quase todo o conhecido conteúdo filosófico do cartesianismo», foi precisamente «devido a um desenvolvimento radical de temas cartesianos». O fim e o impulso husserliano encontram‑se portanto intimamente determinados por Descartes, cuja ânsia de rigor, manifestada nas Meditationes, vibrava a uníssono com os anelos de Husserl. Este reconhecer‑se‑á sempre profundamente ligado àquele: interrogado, um dia, por que filósofos se sentia mais influenciado, respondeu, nomeando Descartes em primeiro lugar. Este, porém, fracassara, na sua ânsia de fundamentação. Husserl, na prossecussão do mesmo ideal, procurará reforçar as exigências críticas corrigindo e aperfeiçoando o que for necessário, para que o sucesso fique plenamente garantido. Assim impulsionado, Husserl vai tentar este empreendimento e viverá, segundo escrevia em 1919, «com plena consciência e decisão, cientificamente dedicado à Filosofia», persuadido de que está fazendo uma obra não só de carácter especulativo, mas eminentemente prática, pois para ele, continua na mesma carta, «a verdade e a ciência não são o valor mais alto. Pelo contrário: ‘o intelecto é servo da vontade’»; servirá, por isso, a vida prática, através duma elaboração radicalmente especulativa aonde o levaram as ânsias de absoluto rigor científico.
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Editors Note |
Neste ano de 2020, centenário do nascimento do Professor Doutor Padre Júlio Moreira Fragata, SJ (1920-1985), figura ímpar da Igreja e da Filosofia em Portugal, é com enorme satisfação que vemos sair à luz a terceira edição desta sua importante obra. Sendo um dos primeiros estudos husserlianos de relevo em língua portuguesa, esta obra tornou-se também, pelo rigor de análise e abertura de horizonte, um clássico, que extravasou as fronteiras portuguesas e lusófonas. Sinal disso é o lugar que mereceu na Encyclopédie Philosophique Universelle. O P. Júlio Fragata nasceu em Seixo de Ansiães, concelho de Carrazeda de Ansiães, distrito de Bragança, no dia 17 de Abril de 1920 e faleceu, em Braga, no dia 27 de Dezembro de 1985. Aos doze anos iniciou os seus estudos preparatórios no antigo Seminário da Costa, em Guimarães, e entrou, com dezassete anos, no noviciado da Companhia de Jesus. Terminada esta etapa, veio para Braga para o então Instituto Filosófico do Beato Miguel de Carvalho, para fazer o curso de Filosofia, que viria a terminar em 1947, ano em que o Instituto foi reconhecido como Faculdade Pontifícia. Nesse mesmo ano, começa os estudos de Teologia em Sarriá, Barcelona, em Espanha, prosseguindo-os dois anos mais tarde na Katholisch-Theologische Fakultät da Universidade de Innsbruck, na Áustria, onde foi aluno de Karl Rahner. Terminou aí a sua licenciatura em Teologia no ano de 1951. Depois, mudou-se para Roma, para realizar a sua tese de doutoramento, “A Fenomenologia de Husserl como Fundamento da Filosofia”, que veio a defender, na Universidade Gregoriana, em 1954. Findados os estudos, regressou a Portugal à já então Faculdade de Filosofia de Braga, para leccionar História da Filosofia Moderna e História da Filosofia Contemporânea. Ao longo da sua carreira leccionou várias outras disciplinas, não só na Faculdade de Filosofia, como também na Universidade do Porto e no Brasil. A sua actividade académica foi extremamente fértil, corporificada numa vasta obra publicada, numa intensa orientação de candidatos ao mestrado e ao doutoramento e numa presença assídua em inúmeros júris de doutoramento, concursos e agregações de professores, nas universidades portuguesas. Além disso, desempenhou um importante papel no desenvolvimento da academia lusa. Foi membro fundador do Centro de Estudos Fenomenológicos, em Coimbra, e membro da Direcção do mesmo Centro, entre 1965 a 1985. Foi uma figura crucial no lançamento da secção de Viseu da Universidade Católica Portuguesa, da qual foi director. Exerceria idêntica função de Diretor na extensão da UCP na cidade do Funchal, na Madeira. Foi Director da Faculdade de Filosofia de Braga nos períodos de 1968-1971 e 1978-1985. Por ocasião da celebração deste centenário, a Aletheia – Associação Científica e Cultural, através da sua editora Axioma – Publicações da Faculdade de Filosofia, decidiu homenagear o P. Júlio Fragata com a publicação de uma nova edição actualizada deste célebre livro, A Fenomenologia de Husserl como Fundamento da Filosofia, que se encontrava esgotado das bancas desde 1996. O livro nasceu da tese de doutoramento realizada pelo P. Júlio Fragata na Universidade Gregoriana em Roma, entre 1951 e 1954. O livro, propriamente dito, começou a ser editado em 1958 e foi publicado pela primeira vez em 1959 com o número 14 na Colecção “Filosofia” da chancela “Publicações da Faculdade de Filosofia de Braga” da extinta Livraria Cruz em Braga. Importa explicar que, entre 1947 a 1969, a então Faculdade de Filosofia de Braga não possuía editora própria, pelo que através de um acordo com a Livraria Cruz em 1949, os livros da Faculdade seriam publicados através da Livraria Cruz numa chancela própria. Com o início de uma “editora” própria, chamada “Publicações da Faculdade de Filosofia de Braga”, entre 1969 e 1970, os livros que outrora estavam consignados à Livraria Cruz passaram a constar dos catálogos e da numeração da recém-criada “editora”. Os exemplares da primeira edição esgotaram em 1974, já depois desta transição. No ano do falecimento do autor (1985), foi feita uma reimpressão desta obra, já na nova “Publicações da Faculdade de Filosofia”, fundada em 1971. Segundo os critérios editorias actuais, esta reimpressão de 1985 corresponde a uma segunda edição. A segunda edição viria a esgotar-se ainda mais depressa que a primeira, pelo que no ano de 1996 já não existiriam mais exemplares em circulação. Apesar de estar fora das livrarias há muito tempo, a agora Axioma – Publicações da Faculdade de Filosofia, herdeira da antiga editora, continua a receber regularmente manifestações de interesse na aquisição desta obra. Na verdade, esta obra teve mais tempo esgotada e fora de circulação do que nas bancas dos livreiros. É, pois, um ato de justiça, para com o autor e para com os leitores, a publicação de uma nova edição. Esta terceira edição resulta de um trabalho de digitalização e de fixação de texto a partir do original da primeira edição, sobre o qual se incorporaram várias correções à mão feitas pelo autor em exemplar que ele usava. Para os editores tornou-se necessária a actualização do livro para os padrões actuais, não só ao nível gráfico, como ao nível ortográfico e editorial, mantendo, intacto o vigor intelectual da obra. No que diz respeito à bibliografia e notas de rodapé, procedeu-se à uniformização e actualização de apresentação. Não foram acrescentados novos dados, a não ser alguns constantes no exemplar do autor. A transformação de maior monta consistiu na deslocação da Conclusão, que – como era hábito então – se encontrava numa secção no final do último capítulo, para recolocá-la agora num “capítulo” próprio. Esta alteração permite uma maior visibilidade da conclusão geral da obra, e justifica-se, porque é, de facto, uma conclusão geral do livro e não simplesmente uma conclusão específica ao último capítulo. Agradecemos a ajuda do P. Manuel Losa na revisão da obra especialmente dos textos em alemão. Por último, todo o conteúdo do livro foi composto segundo o projecto gráfico da Coleção “Filosofia” da editora Axioma e a obra recebeu um DOI, indo, merecidamente, integrar a indexação global de livros académicos, o que, poderá, de certa forma garantir, uma justa perenidade para esta obra que, assim desejamos, nunca mais ficar fora de circulação. |