Saudade e profetismo em Fernando Pessoa

Sempre a saudade andou associada aos grandes períodos da reflexão crítica portuguesa. Logo no primeiro grande momento da nossa maturidade mental — o século XV da «Ínclita Geração» — vemos já o Rei-filósofo D. Duarte perplexo perante a estranheza deste sentimento. Dois séculos mais tarde, o tema da saudade continuava a preocupar espíritos superiores como D. Francisco Manuel de Mello. E nos tempos actuais, em que novo surto de consciência crítica se forma em torno dos valores e daquilo que somos, é ainda a saudade um dos elos pedagógicos a concluir à indagação colectiva sobre o que nos constitui como povo e como história.

Tal vinculação da reflexão filosófica ao sentimento da saudade aponta, desde logo, para uma segunda constatação: a de que o nosso pensamento mais genuíno não se surpreende em elaborados sistemas filosóficos mas, antes, nas formas várias do nosso lirismo, muito especialmente na Poesia.

E nem com isto nos diminuímos como pensadores. «Em todo o poeta verdadeiro existe um filósofo adormecido» escrevia Pascoaes. Afirmação que Fernando Pessoa parece reforçar quando diz: «é na poesia que vamos buscar a alma da raça, e na filosofia dessa poesia aquilo a que se pode chamar a filosofia da raça».