Os Selos de Herberto Hélder
João Amadeu Oliveira Carvalho da Silva, 216 págs, 2000
João Amadeu Oliveira Carvalho da Silva, 216 págs, 2000
A poesia de Herberto Helder é desde os anos sessenta uma fonte inesgotável de sugestões, uma frutífera sementeira para colheitas sempre inesperadas, porque os corpos e os campos estão sempre em transmutação e a relação entre as diversas realidades torna-se profunda e sagrada. Aquele que se propuser ler a sua poesia terá de, à partida, estar disponível, sentir-se capaz de ser o assassino de uma biografia e o próprio biografado.
A poesia herbertiana reflecte certas evoluções isotópicas dignas de referência. Herberto Helder assume-se, especialmente a partir de Cobra, como um visionário. Como diz Joaquim Manuel Magalhães, a sua poesia «parece tornar-se num solo tão definitivamente dado de antemão que já não é senão instrumento radical de prospecção de si e do seu mundo no cosmo». Há uma abertura gradual às formas míticas, ao imemorial, através do processo e do poder metafórico. Na abertura ao intemporal, assume essencial importância a gradual assepsia das palavras e por essa forma muitas vezes caminha-se para o silêncio. Aquela assepsia envia o texto também, na perspectiva de Maria Lúcia dal farra, para o «ilegível»; o poema como que se sela nas palavras. Esta evolução detecta-se noutros pequenos elementos isotópicos como sejam aqueles que de novo aparecem também em Cobra. Neste livro surgem relações entre o corpo e o mundo astrológico-alquímico, onde passam a coexistir a vida e a morte. o ouro é o elemento que então surge ligado à experiência alquímica. As transmutações são o objectivo do alquimista rumo ao ouro, à perfeição. Os qualificativos, por exemplo, aplicados à mulher eram inicialmente, em A Colher na Boca, do reino vegetal e passam agora a ser mais do reino mineral.
Pela transmutação, a palavra afasta-se cada vez mais daquilo que nomeia, mas vislumbra-se por ela o surgimento da energia da coisa nomeada, energia que permitirá a contínua transmutação, rumo ao insondável, ao indizível. Desse modo, o significante assume uma liberdade gradual a caminho da libertação do significado. Assumir a transmutabilidade da palavra é encarreirar pela desculturização daquela.